quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

 


 Há quanto tempo... Torna-se cada vez mais difícil colocar aqui neste espaço algumas palavras. O que devo dizer? Preciso continuar minha missão...




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Mais um Natal que chega, desta vez vestido de cinza, sem aquele toque tradicional de magia e festa como sempre costumamos esperar e sentir. 2020 foi um ano surpreendente e ao mesmo tempo de mudança de vida, mas os hábitos que surgiram foram desagradáveis: uso de máscaras, excesso de cuidados de higiene, coisas que foram nos distanciando obrigatoriamente do costumeiro conviver com as pessoas, troca de afetos e carinho. O gelo da distância marcou ainda mais e foi afastando pouco a pouco os seres em todos os setores: no trabalho, na família, nas reuniões sociais e afetivas.

Ah, e o malfadado grupo de risco! Quanto medo, quanta orientação e presença diária de slogans e depoimentos massivos que mataram muita gente de medo  e de depressão ...

Não pudemos oferecer apoio moral à família, comparecendo para dar o último adeus àqueles que nos eram caros. 

Desta vez, não houve um alerta que sempre me avisa de que o ano está acabando e que o Natal se aproxima,  como avistar de repente lojas com produtos natalinos à venda em exposição ou propagandas anunciando a chegada da festa.

O trabalho antes tão próximo de alunos jovens e adolescentes tornou-se tão vazio, tão vago, resumindo-se a imagens  que pouco a pouco foram desaparecendo das câmeras para dar lugar a fotos ou iniciais congeladas inexpressivas e estáticas.  Os áudios foram silenciando para muitos que preferiam usar chats e escrever ao invés de falar.

Salas enormes foram se extinguindo para dar lugar a cinco ou seis participantes, o que ainda trazia imensa felicidade porque nos  fazia acreditar que alguns discípulos confiavam no árduo trabalho do professor. Reuniões exaustivas na profissão que triplicavam  o volume de trabalho, cansando sobremaneira, muito mais do que da forma presencial como era dantes...

Trabalhos maravilhosos presenciais de teatro, musicais e de dança resumiram-se a podcasts feitos com grande sacrifício para reunir a todos.

Não sei como explicar, mas esse ano não haverá Natal. Não como sempre foi, com a liberdade de expansão de sentimentos, comunicação e confraternização. A miséria econômica gerada pelo desemprego massivo, será responsável por menos sorrisos nos rostinhos infantis, menor acolhida àqueles que já não podem mandar um desafio a um novo ideal pelo avançado da idade...

        As mudanças não serão estáticas, não terminarão com a chegada de uma tão aguardada vacina... Sinto que uma brusca alteração na ordem das coisas, será um processo contínuo, um domínio do tecnológico em detrimento do humano, anunciando friamente que o fantasma da automação que se iniciara no passado,  agora solidifica-se e vem para ficar, tomando espaço maior empurrando o artesanal, a ação humana para segundo plano, exibindo vaidosamente sua superioridade amedrontadora  na perfeição artificial, breve substituta de  muitos ofícios que dependiam outrora do ser humano.

É um Natal de meditação, de preocupação com o  futuro, em que a consciência social não trará ajuda ante a monstruosa proporção da crise que se avizinha e progressivamente dá seus passos assustadores...Elevemos nosso pensamento aos céus esperando o melhor, que nada disso se torne realidade, amém ...




quinta-feira, 15 de outubro de 2020

 O  dia de hoje é especial, dia do professor. O meu dia!  15 de outubro sempre esteve tão presente na maior parte da minha vida que agora aposentada e trabalhando como professora novamente,  nada melhor do que refletir e escrever sobre ele. A figura de professor é por várias vezes comparado a um semeador, não de flores, mas  a semente do exemplo, do ensinamento, do esclarecimento, da luz que acaba com as trevas da ignorância e do mal. Parabéns a todos os professores, mas somente àqueles que procuram ser mestres de verdade, sem egoísmos, sem vaidade, sem reclamações. A despeito da sua condição pouco favorável e quase sempre irreconhecida do seu mérito, que o prazer de semear invada a sua vida, e lhes encha a alma de felicidade e satisfação do dever cumprido!



Alguém já disse uma vez:" Semeia, semeia mestre. No grande Cosmo, tu és semeador, tu és a presença, a pessoa. Não podes fugir à responsabilidade de semear... Não digas o solo é áspero...O sol queima...Não é tua função julgar a terra, o tempo, as coisas. Tua missão é semear."
Mais importante do que a semente a ser lançada no solo, é o exemplo que tens a dar.Sobretudo o exemplo da importância de dar amor. Hoje lanças o germe, joga-o na terra inculta e seca e todos os dias rega-a  para que ela se reproduza, cresça e dê lindas flores para enfeitar a vida e dar alegria às pessoas.
Se ela não vingar, por ter caído entre pedras, ou em ambiente árido, não te desesperes: tenha a certeza de que seu exemplo de humildade ao lançá-la sem presunção, será visto  e admirado.
Porque aquele que cultiva  amor, com amor será recompensado. Aquele que ensina a amar, por todos será amado. Aquele que age com simplicidade por todos será entendido.
Não creias que tua missão é fácil, ela é uma das mais difíceis tarefas que existem na face da terra. Por vezes terás medo de não conseguir lançar a semente, por outras, muitos obstáculos deverão ser transpostos para que possas semear.
Procure conhecer o solo em que trabalhas, sem contudo discriminar este ou aquele chão: na tua função de mestre e ao mesmo tempo aprendiz; se julgas, muitas vezes poderás errar sendo surpreendido com uma bela flor que nasce em campo  estéril e infértil. Na tua profissão de preparador de solo é teu dever cuidar dele adubando-o e regando-o até que se torne apropriado para o plantio, bem como é tua missão saber que todo o chão pode produzir diferentes tipos de flores, desde que não descuides dele.
Não demonstres preferências ou apego a determinado solo, semeia em todos eles para que obtenhas um vasto jardim florido.
Não reclames das dificuldades e das adversidades, se há muitas pedras no teu caminho, procure retirá-las com paciência e determinação; se a semente cai entre a vegetação impiedosa que tenta sufocá-la e impedir que nasça, ajuda-a para que respire e cresça, assim como é teu dever separar a boa semente da erva daninha que nunca deve ser lançada devendo ser arrancada quando necessário, se nascer entre as flores.
E nunca se esqueça:
O bom ensinamento transforma, lapida, fortalece. O bom exemplo será seguido e multiplicado. O altruísmo da tua ação salvará a Terra e todos os homens que nela vivem...

domingo, 14 de junho de 2020

Fala-se muito em racismo, preconceito de cor, raça. Entretanto, creiam,o pior deles é o de classe social. Sofremos diariamente com isso e, particularmente em mim, calou-me fundo desde à infância através da figura de minha mãe...




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Fantasia de fitas

Vai longe o tempo, lá pelos idos de 1957 ou 58 quando comecei a me entender como gente. Ouvia sempre os queixumes de minha mãe, mulher mais trabalhadeira como aquela nunca vi em toda minha vida!
É, ela dizia num reclamar quase lamento, nunca me valorizaram. Meu sogro dizia sempre: vou dar os móveis de presente de casametno, só que, "conforme a noiva,serão os móveis". 
E assim havia sido, mobília simples para uma noiva de família pobre como ela. Que diferença para o presente da filha, requintado e caro naquela época. Isso foi tornando minha mãe uma pessoa amarga, baixa autoestima, angustiada. Doutra vez, lembro-me por volta de meus nove anos, necessitei de uma cirurgia; apendicite crônica; e ela costurando naquela semana inteira, trabalhando em lindo pijaminha branco de alpaca com detalhes de vivos verde-água nos bolsos da camisa e da calça. Mãos de fada, caprichosíssima em detalhes e acabamento, mas logo minha avó paterna chega em casa, e não lhe quero mal, absolutamente, que Deus a tenha em sua glória, uma vez que partiu há muito desta para uma melhor, ou pior, sei lá... Ao ver o pijama semiacabado que minha mãe labutava por terminar, pôs-se a chorar copiosamente, nos deixando constrangidos pela sua comoção enquanto pranteava e dizia entre soluços: "Não, não deixarei minha neta operar com um pijama desses, de forma alguma". Amanhã mesmo, irei ao bazar da Moda, (era um desses lugares frequentados por pessoas mais abastadas, economicamente na época em Araçatuba, residíamos lá por esse tempo) comprarei pijamas. Senti a decepção de minha mãe em seus bonitos olhos verdes que teimavam em segurar uma lágrima e, acho que desde essa época, ela foi se desvalorizando...
No dia seguinte, a caixa foi entregue com dois pijamas de jérsei (lembro-me até hoje, minha memória é fotográfica, não sei se isso é bom ou ruim), que nem se comparavam ao trabalho que estava fazendo, manualmente, muito mais valoroso e mesmo de melhor qualidade. E a frase que veio acompanhada com os pijamas, feriu mais do que navalha: "veja se se compara a esses trapos que você estava fazendo". 
Chorei muito, mas muito mesmo, ao ver o desalento e submissão de minha mãe, esperava que dissesse: "não, ela não vai usar esses pijamas, pode levar de volta, os meus são melhores, muito obrigada!". Contudo, abandonou seu trabalho, e lá estava eu no hospital com os tais pijamas de jérsei. Ah, como gostaria de dizer a minha mãe que essa foi uma lição ruim que ela me passou: não se dar valor.
 Gostaria de afirmar do fundo do meu coração, isso não se faz. Chegou um Carnaval, todas as primas com lindas fantasias compradas em bazares de prestígio da cidade e minha mãe, mais uma vez com suas mãos maravilhosas costurou uma fantasia de havaiana, lembro-me com detalhes: o cós era vermelho, se não me engano, e trazia preso nele várias fitas coloridas que iam até o comprimento do joelho, um top na mesma linha, muito bonitinho, enfim, qualquer criança no vigor da infância é muito linda. Entretanto,a fantasia era maravilhosa! 
E lá fomos nós para um clube da cidade chamado Clube dos Bancários. Não me recordo bem desse detalhe, mas vou inquirir minha mãe, ela deve ter pago para que entrasse no clube, não tínhamos posse, nem vida social de falsos ricos, meu pai era assalariado e dava duro em um frigorífico trabalhando e fazendo hora-extra para nos dar o sustento. 
Uma das primas, na verdade, filha adotiva de minha avó paterna, veio por obrigação nos cumprimentar rapidamente dizendo:"Que fantasia linda!" E logo se distanciou com as amigas em trajes luxuosos de dama antiga, sombrinha em rendas, cabelos arrumados, lindo vestido longo, espartilho e anquinhas, um luxo! Para minha mãe, isso foi o suficiente. Vi o resultado daquela observação rápida estampado em seu semblante onde o desânimo tomou lugar. 
Como criança que era, não percebi esse desprezo que ela disse estar no inconveniente comentário e o distanciamento rápido com  as amigas.
Isso calou fundo na alma de minha mãe. Sempre se acha inferior, isto fez com que preferisse se  afastar da vida social e familiar. Hoje, depois de bem amadurecida e calejada pelo efeito do tempo, a entendo perfeitamente! E tenho a dizer, que a pior forma de acabar com alguém é diminuir sua capacidade tendo como parâmetro a fútil vida social, a valorização do inútil e das convenções sociais, que passam por cima de sentimentos e valores preciosos que deveriam ser respeitados!

domingo, 24 de maio de 2020

Quanto tempo sem escrever nesse espaço... Não é falta de inspiração, é de tempo mesmo! Aliado ao desânimo de ter que escolher temas que não contrariem ideologias atuais... Sim, não há verdadeiramente uma liberdade na escolha de temas que devemos escrever, isso tolhe a criatividade, mesmo em um caderno aparentemente solitário como um blog. Mas hoje optei por uma crônica que volta a outro cotidiano mais antigo ...




Violão Seizi Tokyo | Folk | Eletro Acústico | Brown Burst - BarraMusic




Por onde você andará? 


Assistindo a um programa cultural erudito, coisa difícil de se garimpar nesses terríveis dias que estamos vivendo, onde o tema pandemia se repete nem digo diariamente, mas instantaneamente, o solista de violão, por sinal perfeito, de sobrenome Camarero interpretou uma linda melodia, composta pelo saudoso Dilermano Reis.
Como a nossa mente associa os fatos! Esse é um exemplo gritante de associação de ideias: de Dilermano, a Abismo de Rosas, música maravilhosa interpretada ao violão que muitos relacionam a temas bucólicos, sertanejos... Entretanto, a sonoridade, o conjunto harmonioso, carregado de tristeza, embala nosso espírito e nos leva muito longe no tempo e no espaço...
 E foi o que aconteceu comigo. Deixei de ouvir a TV, numa viagem pelo tempo, encontrei-me em um trem de ferro na década dos anos finais de 1960, contava então com meus róseos 15 anos, em todo o vigor da juventude! Por incrível que pareça, ainda me lembro da roupa que usava: um conjunto na cor ocre ou mostarda, composto por uma calça comprida, boca de sino e uma blusa sem manga, decote V, ornada com três sutaches coloridos a acompanhar o desenho da cava do decote. Várias pessoas da família acompanhavam a minha viagem até a cidade de Corumbá, Mato Grosso do Sul. Além de meus pais e irmão, minha avó paterna, um primo e meu namorado. Ao chegar ao destino, conheceria meu avô paterno, há muitos anos separado de minha avó. Ficaria hospedada na casa de um tio, irmão de meu pai e aproveitaríamos para uma consulta, digo, quase espiritual, com uma senhora chamada Cacilda, famosa por fazer curas milagrosas naqueles tempos. A fama dela crescera tanto, que todos iriam consultá-la, cada qual com seu problema de saúde. Mas isso não vem ao caso nesse relato.  
A viagem, sufocante, um calor abrasador e o trem acabava de quebrar pela segunda vez. O tédio, o desânimo  tomava conta de todos nós. Por sorte, meu namorado trouxera o violão, estávamos arranhando algumas músicas populares da nossa adolescência, quando ele se manifestou humilde, voz baixa, cabelos alongados, à moda da época, rosto simpático:
-Posso? - referindo-se ao violão.
Passamos o violão e com a habilidade de um virtuoso ele começou a tocar Abismo de Rosas. Fez-se silêncio mortal no vagão parado. Cada acorde tocava mais a alma, produzindo as mais variadas emoções. Não sei se a mim, um pessoa sempre muito sensível, apaixonada pela música erudita desde criança, quase me levava às lágrimas. Quando terminou, todos o aplaudiram comovidos, ele agradeceu tímido, sem soberba ou vaidade. Desceria logo, o trem já estava em movimento e logo chegou a Campo Grande, onde desceu. Nem me lembro do seu nome, contudo, ficou um vazio, uma lacuna  inexplicável no ar, que até hoje me frustra por nunca mais ter encontrado aquele artista silencioso.
Casada atualmente,  na idade madura, rosto marcado pelas experiências vividas,   depois de tanto tempo, ainda me pego cismando e pintando aquela cena, para mim emocionante e me pergunto, se estará vivo, morto, casado, solteiro,  sem a certeza de uma resposta concreta. Terá continuado  com sua música e seu talento? Ou tudo terá sido abandonado?
Na incerteza, uma única certeza, creiam, ele salvou aquela viagem enfadonha!