quinta-feira, 30 de setembro de 2010

Elo partido

Olha eu aqui de novo amigos. Desta vez consegui aguardar uma semana sem publicar nada. Também, semana cheia de afazeres domésticos e de resolver problemas familiares.Essa vida é um corre-corre que não cessa graças a Deus, é um sinal de que continuamos vivos , atuantes e desempenhando nosso papel na sociedade.Agora mesmo terei de sair novamente e a postagem ficará para depois, quando chegar da cidade. Hoje é o dia da secretária, quase véspera de eleição e feriado religioso, o trânsito na cidade estava uma "beleza"!Super engarrafado, principalmente em avenidas de acesso às vias principais.Tudo bem, logo passa e estamos prontos para escrever novamente!
Há muito dias que penso em quê escrever: sobre as eleições não, já há uma certa saturação nesse sentido ou qualquer outro tema que seja estressante não será bem-vindo nem para quem escreve, nem para quem lê. Desta forma, resolvi voltar no tempo e escrever sobre mais uma passagem da minha vida. Interessante, a vida de cada um de nós é semelhante a um livro onde a cada dia escrevemos uma história, ou até "estória" como algumas pessoas sonhadoras que vivem num conto de fadas o fazem.Para quem adora viver, como eu, a vontade é de que esse livro nunca chegue a seu capítulo final. Ao publicarmos cada uma dessas páginas, vamos abrindo o livro da nossa vida para compartilhar com amigos e leitores que nos prestigiam a cada dia, semana ou mês.E é um milagre essa troca de convivências com pessoas de todas as distâncias, raças e gostos através de um simples ato: a publicação de um texto. Mas vamos ao que interessa.Isto que vou contar se passou em 29 de junho de 1974 e lá já se vão 36 anos que voaram na velocidade da luz...










O dia não amanheceu tão frio como esperava. Araçatuba é uma cidade onde a temperatura é sempre muito quente no verão, mas quando é inverno, o frio não brinca,  vem com grande intensidade em alguns dias. Felizmente havia escolhido um vestido de noiva apropriado, de voil porém,   longo, assim como as mangas e adornado com enfeites de inverno, só não queria passar frio, nem tampouco calor. Um vestido simples, mas atualíssimo até hoje, quando o vejo, concluo que  poderia ser usado tranquilamente.
No viço dos meus vinte e dois anos não havia lugar para preocupações, que belos dias aqueles! Nem mesmo a velocidade das horas a correrem e uma data tão especial como aquela me abalaram. Acordei tranquilamente, tomei meu café da manhã sossegadamente e até a hora do almoço vivi o meu dia a dia rotineiro.
À tarde já se fazia presente e resolvi sair para encontrar com meu noivo, o futuro marido.Eram exatamente 14 horas.Ele era terrivelmente apaixonado por carros e tudo o que dizia respeito a eles.E assim sendo entramos no seu carro, que para época era bastante incrementado: rodas de magnésio (hoje se usa falar de liga leve), vidros fumê, bem escuros e muitos outros acessórios que se usavam na década de 70.No interior do veículo, que  era a nossa segunda casa, passávamos horas.Íamos passeando pelas ruas da cidade natal quando ele não estava trabalhando, pois  viajava bastante.Pelas avenidas principais da cidade,  a realização pessoal no som estridente  do escapamento aberto que soava como um grito de liberdade e rebeldia jovem. Cabelos ao vento, nada de vidros fechados ou ar condicionado viciado como nos dias de hoje, nada de medo de ladrões e sequestradores coisas que inexistiam na época.
O casamento marcado para as 17h e 45 minutos, maquiagem para as 17 h e nós ali, correndo ao sabor da brisa fria, uma paradinha para o refrigerante e... olha que nem assim havia aquela neura de observação do relógio, nem mesmo obsessão para se preparar, dia de noiva, nada...Que diferença! Hoje a noiva passa o dia no recato de um spa, fazendo mil coisas para parecer maravilhosa, esforçando-se para se fazer bonita e agradar a todos, sonhando e contando os segundos para que chegue a hora tão sonhada! E isto não é só no dia das bodas, o stress já começa muito antes com preparo de festa, ornamentação de salão e igreja, organização de de listas de convidados e presentes, preocupação com fotos e filmagens, enfim! Quando finalmente o casamento acontece é preciso muitos dias para que a estafa vá embora, creio que nem curtir o casamento é possível.
Mas nós ali, sem nada pensar ou fazer aguardando pacientemente, é difícil de acreditar.Não me recordo com precisão, porém alguém deve ter se preocupado por nós em organizar uma pequena festa em um salão que alugáramos, cuja decoração foi simplicíssima; nada de flores ou qualquer outra extravagância, um churrasco feito por amigos seria servido além do bolo e dos doces que já haviam sido encomendados alguns dias antes, e a sua entrega não foi ansiosamente aguardada, chegariam e pronto! Também não houve a expectativa quanto aos convidados: enviamos os convites que eram bem simples com dizeres bem nossos, francos e sinceros.
Quando acordei para o tempo já passavam das 15 horas, era um sábado alegre, dia de São Pedro, e a maior parte do tempo ria com a frase do sacristão pronunciada com simpleza  em seu sotaque interiorano:
-Casamento dia de São Pedro, seu casamento vai ser uma bomba!-enquanto fazia um círculo com ambas as mãos representando o estouro.
Naquela hora lembrei-me de que nem havia feito as unhas! Nem tampouco ele se apressara para vestir o terno rosa pink, camisa rosa-clara e gravata borboleta, cujas cores tanto combinavam com os enfeites rosa-bebê do meu vestido, para mim maravilhoso.
Deixei-me subir os degraus que conduziam para dentro da casa paterna. Tomei banho às pressas, dirigi-me ao salão de beleza próximo dali com o intuito de fazer as unhas. Porém! Ele estava cheio e Clara, uma nissei proprietária, apiedou-se ao dizer que era o dia do meu casamento e me esmaltou de rosa as unhas da mão.Não me senti contrariada, e sempre correndo contra o relógio, já eram 17 horas, dirigi-me à maquiagem. Esta foi feita como um relâmpago dado ao avançado da hora. Os longos cabelos secados e presos num coque banana, depois de levar uma bronca pelo atraso.Voltei para casa onde o vestido descansava sobre a cama aguardando o corpo esguio e elegante da minha juventude. Após vesti-lo e obervar o seu efeito no espelho grande do guarda-roupa, sentei-me na banqueta da penteadeira onde a cabeleireira que me acompanhava cobriu meus cabelos presos, num turbante de voil branco enfeitados com flores e os mesmos detalhes do vestido.Calçando as sandálias, subitamente ouço a buzina do carro do meu padrinho que chegara para buscar a noiva.Levantei-me num átimo e pude observar naquele instante o olhar  emocionado de minha mãe. Tudo parou naquele instante: era um olhar diferente, misto de emoção, surpresa e tristeza pela certeza da perda.Naquele olhar senti tudo o que ele podia me transmitir em fração de segundos: a dor da separação, a ausência diária do convívio entre mãe e filha, o medo da nova vida e o que me reservaria e a admiração ao me ver tão verdadeiramente bela naquele instante.Na troca de olhares, corri e a abracei antes que as lágrimas que teimavam  em se libertar me borrassem a tão sofrida e corrida maquiagem. Apenas um abraço e nele, conseguimos passar todos os sentimentos que naquele momento nos invadiam a alma.Desci a escadinha muito rapidamente como que a fugir daquele momento de emoção e já me encontrava no interior do carro que em pouco tempo logo alcançou a igreja central da cidade.Que confusão, meu Deus! Pensamentos nem tinham lugar em minha cabeça. A luz de um flash ainda no banco traseiro do carro me cegando temporariamente.Subindo os degraus já pude visualizar a meiga figura de meu pai, vestido de maneira simples, o mais elegante que podia ser. Nesta hora, uma ponta de dor subiu-me do peito para a garganta e enquanto pensava: "não vou chorar, não posso chorar!" via naqueles olhos que me fitavam com tanto amor, úmido de lágrimas que a custo não rolavam e que tanto podiam me transmitir: desejo de que eu fosse feliz, muito feliz, enquanto dava-me o braço ao som de "A time for us" e me conduzia lentamente em direção ao altar.E que humildade naquele semblante que agora entregava a filha ao jovem e futuro marido.
Naquele momento, senti o peso da separação que se avizinhava: jamais o bate-papo do dia a dia, dos conselhos, das refeições a mesma mesa... Naquele instante tão fugaz,  pude entender no olhar de meu querido pai onde as lágrimas conseguiram finalmente ficar, que um elo se partia,  que uma nova etapa na vida se descortinava, se seria uma boa fase ninguém poderia adiantar, porém essa sensação mútua de que algo se perdia calou em mim, ficou em mim presa e sempre aqui ficará como lembrança daquele dia...