sábado, 14 de janeiro de 2023

Bougainvillea Spectabilis

 Não me recordo ao certo quando escrevi essa crônica, sei que residia na cidade de Rio Claro,  é possível que tenha sido em meados de 1989...



Três Marias, Unha de gato, Sempre viçosa, Buganvilha...Não importa o nome, só sei que umas folhinhas tenras surgindo à flor da terra, mostrando todo o seu vigor, esnobando o verde, produto da seiva forte causaram em mim um efeito bombástico.

Várias tinham sido no decorrer daquele ano as tentativas de possuir um pé de primavera, fosse de qualquer cor ou tipo no canteiro próximo ao extenso muro. Inúmeras mudas eu conseguira: fosse onde fosse e encontrasse a tal planta, sorrateiramente, lá estava eu com uma amostra para tentar reproduzir em casa. Cultivava-as com todo o esmero e carinho, dava-lhes todos os cuidados necessários, contudo, conforme os dias passavam, elas arrefeciam e morriam.

Em mim, já havia se esgotado a esperança de ter um exemplar desta espécie em meu jardim, sobretudo, numa inesperada manhã de março, desabrochou o que eu tanto esperava; finalmente meu sonho se concretizara, provando que meu esforço não fora debalde. A felicidade que invadia meu ser era imensurável, mista de crescente avidez em conhecer qual a cor daquela preciosidade vegetal e consequentemente de onde viera, qual a muda que vingara, afinal foram tantas...

Talvez não seja compreensível diante da simplicidade do espécime, o meu interesse, porém, confesso, sentia-me como um botânico que encontra uma raridade da flora! Fitando aquele pequenino vegetal por alguns instantes, esquecia-me da fraqueza humana tomando a posição de um Deus que observa com orgulho a sua criação.

A expectativa para descobrir a cor e a proveniência perseguiram-me por três longos meses. Por manhãs e tardes consecutivas regava-a satisfeita, vendo o seu franco desenvolvimento; visualizei seus galhos subirem, ganharem a altura do muro e, logo após, dobrarem-se sobre si mesmos, embora , para meu contentamento total aguardasse a reprodução das flores. 

Na minha ignorância, eu desconhecia que aquelas que pensava serem flores e que tanto aguardava na minha ingenuidade, nada mais eram do que o prolongamento das folhas, as chamadas brácteas, como acontecem com outras plantas, como o Bico de Papagaio, por exemplo.

Em uma tarde  cujo vento frio gelava toda a cidade, percebi que as folhas das extremidades mostravam-se ralas, minguadas. Elas estavam caindo, não havia dúvida alguma! Mas como?! Ainda ontem eram tantas e de um verde exuberante, viçoso!

Sobressaltada e até indignada corri até lá esperando o pior quando constatei tristemente que havia um exército cortador combatendo por ali. Voei para a despensa e, em segundos, já com a isca de formigas em meu poder, pus-me a distribuí-la  entre as destruidoras que logo percebendo o cheiro irresistível mudaram a estratégia do ataque. De repente, erguendo o olhar por entre os galhos e folhas, descobri minúsculas "florzinhas" que apontavam, mostrando uma longinqua tonalidade laranja.

O deslumbramento cedeu lugar à incerteza; todas as pétalas tenras mostram ao nascer, essa cor.Conjeturava que se fossem realmente coral, seria oriunda do Horto Florestal onde certa vez fizera  um passeio e na avidez de possuir um exemplar, retirara às pressas uma muda que trazia perto de si os seguintes dizeres: " Bougainvillea Spectabilis", não toque nas plantas. Lembro-me ainda, que a escondera sob o blusão  depois de certificar-me  não haver alguém por perto...

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Os dias passam-se arrastados, a minha ansiedade faz com que pareçam ainda mais vagarosos. As saúvas desapareceram, tombaram, e as poucas sobreviventes abandonaram a pugna, mas os galhos do meu pé de primavera voltam a cobrir-se de pequeninas folhas verdes. E agora, , embalado pela brisa fria, o cacho de flores cresce e exibe uma cor cenoura bem firme....