sábado, 23 de fevereiro de 2013

TERRITÓRIO DE BRAVOS – Parte III





imagem  de (www.portalentretextos.com.br)




Pouquíssimas pessoas têm a fibra de lutar dignamente por um ideal, seja ele qual for. São tipos de personalidades singulares que persistem em um objetivo e não descansam enquanto não o alcançarem. Plácido de Castro foi um homem assim, cuja meta foi defender e amar sua pátria acima de tudo e de todos e por ela realizar qualquer sacrifício mesmo que esse fosse a própria morte. Apaixonado pelo território do Acre e entendendo que esta terra por direito deveria pertencer aos brasileiros, decide se engajar na luta da posse contra os bolivianos.
O que aconteceu realmente é que por direito, o território acreano deveria pertencer ao Brasil pela própria localização. Tal fato é justificado pelo difícil acesso dos bolivianos àquele local cuja demarcação nem era reconhecida em mapas ou cartas cartográficas da época. Uma imensidão de terras desconhecidas até pela maioria dos brasileiros que habitavam a região norte. Para um grande número de pessoas dessa região as seringueiras do Acre eram fonte de sustento das famílias que ali haviam se estabelecido e se adaptado, convivendo em meio a animais selvagens, insetos e doenças graves.
Plácido de Castro, ainda na juventude revela-se um excelente aluno, embora os problemas econômicos frequentemente barrassem seus objetivos fazendo com que alternasse e por vezes abdicasse seus projetos de vida para cuidar da subsistência daqueles que amava. De espírito altivo, herdara do pai o gosto pela milícia, uma vez que este fora militar dedicado na Guerra do Paraguai. Desta forma, após muita luta, Plácido consegue finalmente se matricular na escola militar realizando seu maior sonho. 
Por volta de 1889, quando o movimento republicano agitava as massas, ávido por continuar seus estudos recusa-se a tomar partido a favor  dos federalistas ou dos florianistas-castilhistas. Como se recusa a assinar o manifesto é preso e transferido para Bagé recebendo um carimbo de suspeito em seus documentos militares.
A sua prisão traz-lhe revolta e decide-se finalmente a aderir o movimento federalista, revolucionário recebendo a graduação de major por destacar-se nos combates da revolução sulista. Dividido entre o ideal e a família, abandona novamente o exército e volta para São Gabriel para perto dos seus. Entretanto, o espírito incansável procura na cidade do Rio de Janeiro desempenhar uma função de guarda no Colégio Militar. Apaixonado pela leitura e pelo estudo resolve assistir aulas como ouvinte nesse colégio e tem um desentendimento com um professor de Geografia que o expulsa dali.
Recebendo uma oferta de emprego nas docas de Santos, habilita-se na função de agrimensor, conhecimento específico que futuramente o levará ao Acre para desempenhar a função de demarcação de terras naquele território. Nesse aspecto, naquela época, ambos os países Brasil e Bolívia desconheciam os limites de suas terras, muito embora este país solicitasse do governo brasileiro essa demarcação que fora dificultada pela guerra do Paraguai em 1867 desde o rio Abunã até o Javari. A única certeza que o governo brasileiro tinha é que a posse das terras do Acre era dos bolivianos, conforme estabelecera o Tratado de Ayacucho em 1899. Por esse tempo, já havia no território cerca de 60.000 brasileiros e eram desconhecidas pelos dois países as nascentes do rio Javary (hoje se sabe que esse faz divisa com Peru e Bolívia). Apesar de este estar dentro do território boliviano não havia chance de posse uma vez que por todos os lados, numa extensão de 153.000 Km² havia brasileiros ali morando e explorando a borracha. 
O nosso país estabelece o limite das terras acreanas na cidade de Caquetá. Denominou-se Cunha - Gomes a última demarcação que se baseou nas nascentes do rio Javary.

Uma foto do Acre: Praça da Revolução totalmente reestruturada 
Por esse período a Bolívia instigada por grupos americanos, começa a se revoltar e numa primeira tentativa de ocupação funda próximo a Caquetá a cidade de Puerto Alonso, e adquire oficialmente posse dessas terras e passa a cobrar altos impostos à borracha extraída por brasileiros que já exploravam os seringais daquela região. Tal fato gerou revolta daqueles trabalhadores que liderados pelo advogado e jornalista José Carvalho marcham até a sede do governo boliviano de Santivanez  em Puerto Alonso ameaçando-o e pressionando-o a abandonar a região, o que acontece prontamente e uma bandeira brasileira é hasteada ali, no lugar da boliviana.
Cresce a cada dia esse movimento de revolta e ocupação definitiva do território pelos seringueiros brasileiros que convidam um espanhol amante e residente do Acre de nome Dom Galvez para que traduza um documento em espanhol que chegara para o governo brasileiro. Tratava-se de uma intromissão política do país mais notável pelo seu imperialismo cujo objetivo é claramente o domínio do mundo: os Estados Unidos, fazendo uma série de exigências ao governo brasileiro. O documento, na verdade uma verdadeira procuração boliviana aos americanos, dava a eles amplos poderes de administração das terras, cobranças de impostos e ameaças ao nosso país de perda de terras para os Estados Unidos. O tal documento trazia como remetente o nome Bolivian Syndicate of New York City of The United States, liderado nada mais nada menos pelo filho do presidente americano Theodore Roosevelt. Ante tal situação, Dom Galvez apoiado pelo movimento dos seringueiros elege-se presidente do Acre, mas logo é preso, deportado para Pernambuco. Este acontecimento por demais revoltante instigou ainda mais o espírito de luta dos seringueiros pela posse da terra, faltava apenas um líder que fosse experiente em combates, perspicaz e persistente, um perfil de Plácido de Castro que recebe o convite de dois amigos que estavam nessa região para dirigir o movimento revolucionário contra a Bolívia. Para Plácido tal convite era tentador, porém não se achava em condições de assumir o posto uma vez que fora acometido por forte febre palustre e beribéri. Pensando aos 27 anos estar à beira da morte procura tratamento no estado do Ceará e consegue melhoras consideráveis aceitando sob suas condições liderar o movimento revoltoso de posse do território.
Antes da resolução de Plácido em assumir a liderança, os amigos que o convidaram, Rodrigo e Orlando iniciam um movimento onde estabelecem como primeira parte do plano tomar um pequeno barco boliviano carregado de munições. Esse acontecimento foi crucial uma vez que os privava de instrumentos de defesa, além disso, os piores inimigos dos bolivianos eram o desconhecimento das terras e a terrível possibilidade de enfrentamento de feras e tribos indígenas selvagens, além do perigo das febres.
Em meio a isso tudo, o Bolivian Syndicate adquire com concordância da Bolívia o poder de arrendamento das terras acreanas, adquirindo direitos fiscais, administrativos além de policiamento, organização de um exército e uma armada também com a finalidade de explorar os vegetais da região.
Uma pausa aqui para um comentário e elucidação: É de longa data esta verdadeira espionagem ilegal desse país chamado Estados Unidos no nosso Brasil, remonta há séculos essa biopirataria que resultou na nossa perda de autonomia das riquezas vegetais da Amazônia. Ninguém acordou para o fato, inclusive o governo brasileiro quando procurado pelos brasileiros para que os ajudasse na luta da posse pelo território do Acre ouviu a resposta de que estava muito ocupado com difíceis questões, embora não permitisse um massacre contra os brasileiros.
Que belo exemplo de falta de interesse em manter propriedade e direitos ao povo brasileiro! Visão de um país que tem um histórico de inércia administrativa crônica e incurável que abriu ao longo dos anos perigosas brechas para o domínio dos imperialistas americanos! Felizmente, o governador do Amazonas ofereceu ajuda aos revoltosos brasileiros.
A atuação de Plácido de Castro é brilhante no sentido de organização tática e militar, recruta e prepara militarmente voluntários, corre risco de vida quando disfarçado de agrimensor pede permissão ao delegado da Bolívia para “avaliar” terrenos do alto Acre quando na verdade infiltrava-se taticamente nas terras vigiadas por bolivianos para treinar e organizar um movimento revolucionário, arrebanhando voluntários por toda a parte. Com seu magnífico trabalho no comando da revolução toma a cidade acreana de Xapuri, proclama a independência do Acre e elabora uma ata a ser entregue a D. Lino Romero, delegado nacional da Bolívia.
Infelizmente, para os nobres de espírito que têm uma meta a alcançar não há como selecionar todas as pessoas que recruta e no meio dos revoltosos um espírito traidor e sem ética começa a agir por suas costas, Alexandrino José da Silva, que à semelhança de Joaquim Silvério dos Reis, prepara-lhe toda a sorte de traição.
Pressionados, os bolivianos sentem-se acuados e declaram estado de sítio (cerco inimigo). Com a liderança de Plácido de Castro, que estrategicamente mantinha “escutas” entre os inimigos fica sabendo que haverá um reforço de soldados bolivianos em Puerto Acre comandados por Rosendo Rojas, um militar da Bolívia. Como contava com apenas 60 soldados brasileiros, age rapidamente, ocupa a cidade de Volta da Empresa onde os bolivianos passariam e os ataca de surpresa. Nessa ação estratégica descobre que alguém que ele não sabia quem era o traíra revelando a sua manobra e é obrigado a recuar, o inimigo chegara antes.Sofrera uma perda importante nos poucos homens que conseguira reunir.
A persistência, a vontade de lutar e a obstinação são as molas que impulsionam os grandes e para eles as derrotas não são valorizadas, assim, com muito trabalho, Plácido consegue recrutar mais 300 voluntários, muda a cor dos uniformes que antes brancos tornavam–nos muito visíveis julgando ter sido essa a causa do fracasso anterior. Agora sabia que um grande exército estava sendo preparado contra os brasileiros e teria que agir rápido. Assim, usa como tática ocupar um local próximo ao rio deduzindo inteligentemente que com essa medida privaria o inimigo do precioso líquido tão essencial a todos acertando mais um alvo poderoso. Nessa etapa, consegue tomar o Afuá, um barco boliviano encalhado na areia carregado de armamentos. Renderam também os poucos tripulantes que lá estavam. Sentindo-se praticamente perdidos, os bolivianos empunham uma bandeira branca rendendo-se aos brasileiros. O cel. Rojas, líder daquele grupo boliviano, entrega sua espada à Plácido como símbolo de sua fraqueza e derrota, mas a nobreza de caráter do líder brasileiro não a aceita e parabeniza o inimigo pela sua bravura.Mais uma vitória era conseguida ali.