sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Novamente estou aqui às vésperas de mais um finados do ano de 2014...





CREPÚSCULO


Como o tempo passou velozmente...Nesses dias que antecedem o dia de finados, a sua lembrança torna-se muito forte, não consigo evitar. Sinto uma necessidade imensa de registrar com palavras tudo o que esta recordação me traz. Coisas da infância e adolescência brotam do nada, revelando aromas e sensações daqueles ditosos dias onde sua presença apesar de não ser diária, era constante nos finais de semana. Como eram esperadas aquelas ocasiões, você chegava sempre feliz e sorridente, contando as novidades do trabalho, se havia vendido bem, quantas visitas havia feito...A magia de sua chegada era maior quando recebia de presente um LP, Long Play, a forma de tecnologia mais sofisticada daquela época. Apreciavas a boa música, erudita, orquestral e sem querer, refinava nosso gosto também. Em especial, lembro-me agora de um deles que trouxeste de sua viagem semanal. Intitulava-se Crepúsculo, música orquestral interpretada por Billy Vaughn. Quando colocou o disco na antiga vitrola, absorvi os sons para mim singulares de uma melodia que realmente me fazia ver o entardecer, mas não um qualquer, um crepúsculo sem igual, de cores nunca vistas em meu viver infantil, colorido com a beleza e inocência pueris.  A própria capa do  LP trazia o alaranjado do sol onde uma árvore frondosa se embebia de seus raios mortiços. Durante dias e noites ouvia aquelas melodias e não cansava de ouvi-las e senti-las em todo o meu ser. É, meu pai,  a nossa existência é construída dessas reminiscências: são pequenos capítulos que escrevemos no livro de nossa vida e que passamos a revisitar conforme a idade avança. Hoje, infelizmente, não conto mais com suas surpresas e o mais importante, com a beleza do seu amor. Vou trilhando minha jornada ao lado de outras pessoas queridas, mas a lacuna que você deixou jamais será preenchida, a ausência apesar do avançado do tempo, machuca, cala fundo no peito. Como sempre,  a singeleza das flores é o único presente que posso te oferecer neste domingo. 
Outra recordação marcante que me legaste é sobre o dia de finados... Nunca deixaste que faltássemos para a visita ao cemitério e sempre nos dava o exemplo de "rezar por todas as almas", Lembro-me de que toda a população de nossa pequena cidade, Araçatuba, também assim o fazia e  apesar de parecer um paradoxo, o campo-santo se tornava um lugar alegre pela beleza infantil e jovem que  corria percorrendo todos os espaços, trazendo os braços cheios de flores, acendendo maços de velas nos cruzeiros, acompanhados sempre por seus pais...Quanta saudade daquela época onde o jovem respeitava e venerava seus antepassados dando-lhes o merecido valor. Não sei onde ficou perdida aquela formação, hoje é tão tímida essa presença nas necrópoles, os crematórios tão tristes e antirromânticos acabaram com o único lugar onde poderíamos ter a sensação de que as almas ali repousam, e recebem orações. O fogo destrói toda e qualquer lembrança remanescente. O materialismo e a descrença  ameaçam e acabam por desmoronar todos os sonhos da vida eterna, dantes tão acreditados e maravilhosos.
Sim, irei ao pequeno cemitério onde descansas, levarei as flores e a Bíblia Sagrada que tanto gostavas de ler. Quando chegar próximo ao seu túmulo, mentalizarei a música Crepúsculo que tanto ouvimos juntos nos nossos tempos cor-de-rosa, farei a minha prece e agradecerei mais uma vez por tudo que fizeste por mim!