segunda-feira, 24 de julho de 2023

Uma carta para o passado


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Muitos afirmam que o hábito de ficar relembrando o passado, ou seja, "as águas passadas que não movem mais moinhos", já diz o provérbio, não é saudável, uma vez que não construímos novas imagens, novos modelos de esquematização mental, perdendo possibilidades  de modernização e oportunidades de desenvolver raciocínio cerebral e novas formas de encontrar soluções. Acredito que os profissionais da área médica possam explicar melhor esse processo.

Porém, quando se nasce com um coração apaixonado e romântico, como já disse antes; na linguagem musical de Nazareth, um coração que sente, não é possível evitar essas excursões pelos doces momentos vividos e trilhados até o momento. 

Desde o período em que me entendi por gente, sinto que sempre fui uma pessoa carente de  muito amor e cuidados, não que não os tenha recebido de meus pais, mas uma alma essencialmente sensível como a minha fazia com que qualquer contratempo me deixasse muito triste. E as lágrimas sempre foram meu ponto fraco, pois rolavam e ainda rolam  com a maior facilidade frente a algum acontecimento que me magoe profundamente. Essa característica me valeu a alcunha carinhosa de Maria Cristaleira,  um apelido gerado pela semelhança com meu próprio nome, Maria Cristina.

Senti na pele essa dor, quando uma prima que me é hoje muito cara, resolveu passar uns dias em Araçatuba e no primeiro dia em que me visitou, mencionou que gostaria muito de ter vindo para rever a banana pintadinha. E pronunciada com um sotaque paulistano, totalmente irritante e pedante para mim antes, calou fundo nas minhas entranhas, ainda mais partindo daquela menina de pele branquinha, sem marca alguma, pele de pêssego ou melhor, maçã, uma vez que apresentava um corado saudável.

Lembro-me de ter chorado muito após aquela visita. Olhei-me repetidamente no espelho enquanto pensava: "Banana pintadinha"... Que ódio, e na tentativa de eliminar as sardas, enlouquecia minha mãe na busca de produtos que as eliminariam. Isso por volta de meus nove ou dez anos. O tempo passou, meu pai, gostava demais de brincar com coisas mais sérias, só para me ver chorar. Certa vez, disse-me que eu não era filha deles, apenas meu irmão o era. Eu tinha sido encontrada por eles em uma caixa, ele dizia sorrindo. E depois desmentiu, talvez arrependido e sabendo  como era a 'cristaleira". Não falei nada, recordo-me de ter realmente acreditado naquilo... Aquela criança, o meu irmão, nasceu quando tinha quatro anos e era  maravilhoso, pele branquinha e rosada, mas ponderava que meu pai também tinha sardas em seu rosto... Chorei muito com o espectro da dúvida e até hoje questiono: será?

E quando chegou a pré-adolescência, então. Apaixonada pelas histórias infantis principalmente a Cinderela de Perrault, sonhava com os príncipes encantados que surgiriam no meu caminho. Adorava as músicas que acompanhavam a narrativa e até hoje me emociono ao interpretar "So this is love" e " A Dream is a wish your heart makes" ao piano e às vezes cantarolar essas preciosidades de um passado já distante.

Comecei a ter namorinhos muito cedo, cada um deles amava mais que o outro e quando tudo se acabava, chegava à dramaticidade de querer morrer, chorava por dias seguidos, inconformada com o fim que para mim era muito doloroso e talvez para aqueles príncipes nada significasse. E guardo a lembrança querida de cada um deles, até o momento em cada cantinho do coração . 

Minha mãe afirma até hoje que nunca teve coragem de me dar um tapa, pois do contrário, teria que aturar aquele pranto por dias e dias.

O tempo passou, o mundo girou, a vida foi me ensinando que as perdas são normais durante seu percurso, o que acho totalmente cruel. Talvez, nunca entenda ao certo qual a finalidade de todo esse sofrimento.