terça-feira, 26 de agosto de 2025

 Depois de um longo e tenebroso tempo sem escrever uma linha sequer, volto aqui a esse espaço para registrar fatos do cotidiano. A desmotivação vem da pouca liberdade de expressão que cerceia o desenvolvimento natural dos temas que a verdadeira arte exige, mas vamos lá...





As rolinhas da avenida Nove de Julho


Observar com detalhes é o principal motor de um amante de escrever. Durante meu trajeto no ônibus urbano, verifico e conjeturo as mudanças que ocorrem na grande cidade de São Paulo.

Ao balanço do veículo lotado, certifico-me com tristeza da eliminação de algum grafite agradavelmente bonito que deixou de colorir e embelezar grandes paredes. Ao lado da passarela da rua das Noivas, uma imensa imagem  de mulher criado por Melim, na parede lateral de um edifício verde claro e desbotado, foi substituída pelo branco inexpressivo. Fico imaginando o que virá em seu lugar...

Com insatisfação, constato as pichações ao longo do viaduto Papa João Paulo II, o antigo Anhangabaú, bem como, o aumento significante de pessoas habitando o local, sujo, barulhento e impróprio.

Já na Avenida Nove de Julho, causa repulsa a imagem do Ministério da Saúde exibindo sua decadente imagem, todo invadido por movimentos sociais constantes,  problema que se apresenta insolúvel.

Afinal,  chego a meu destino. E as vejo sempre ali, no mesmo lugar, durante meses a fio em que  faço esse trajeto:  sempre imóveis, pregadas nos galhos da mesma árvore, gêmeas univitelinas perfeitas, da mesmíssima cor, tamanho e aparência.

Ali, no meio do trânsito infernal do dia a dia, indiferentes ao barulho e a poluição, faça frio ou calor, tempo seco ou chuvoso, lá estão elas na sua rotina estafante e idêntica para os olhos de quem as observa. De vez em quando, uma revoada desce à cata de sementinhas no canteiro de terra ou de bichinhos que esvoaçam em seu passeio mortal. Não demora muito e retornam ao mesmo lugar no tronco, inabaláveis, estáticas e indiferentes à movimentação a seu redor. 

Felizes com sua mesmice, aqueles pássaros  não viajam, não se aventuram, não trocam o certo pelo duvidoso, são uma lição de vida para nós, humanos, que fugimos das ações habituais diárias, sonhando com férias em locais paradisíacos, distantes... 

É admirável a paciência e perseverança com que cumprem sua missão, sem esperar grandes mudanças em sua já conhecida rotina.

Hoje está mais frio do que de costume, o inverno agride com mais rigor este ano, o vento gelado corta a avenida, entretanto, mais firmes do que nunca, lá estão, inchadas e gordas de penas,  uma possível tática para enfrentar a natureza e suas contradições, grudadas aos galhos da mesma árvore,  talvez uma jaqueira em crescimento. Não piam, não emitem som algum, nenhum choro ou ruído. Aguardam a noite chegar e,  me pergunto se adormecem ali mesmo ou mudam para árvore próxima, mais encopada e cheia de folhas. 

Por um momento relembro trecho da frase bíblica de Olhai os lírios do campo: ..."Olhai as aves do céu que não plantam e nem semeiam, mas Deus as alimenta e as veste..." e do magnífico romance do mesmo nome do autor Érico Veríssimo:" Só foge da solidão quem tem medo dos próprios pensamentos, das próprias lembranças..."

Duas pérolas verdadeiras. Tanto nos preocupamos com o dia de amanhã e, no entanto, essas avezinhas nada fazem e têm o sustento diário garantido; do mesmo modo, nós, humanos, morremos de medo da solidão, principalmente nas últimas quadras de nossa existência, provavelmente por puro medo de que as recordações acabem com a paz de espírito e atormentem nossos últimos momentos...

Porém, essas rolinhas da Avenida Nove de Julho no seu modo solitário e rotineiro nos ensinam como viver bem...

 





domingo, 19 de janeiro de 2025

 Tudo por dinheiro







pixabay.com






É uma frase célebre, que representa fielmente o mundo em que hoje vivemos. Não querendo puxar sardinha para a lata dos que hoje são cidadãos e cidadãs mais vividos, para não dizer mais velhos, a corrida pelo dinheiro ocupa lugar principal na cabeça dos seres humanos atualmente.

Não foi à toa, que todos os tipos de mídia e meios de comunicação vieram construindo nomes, marcas que foram adquirindo força no mercado e prestígio inigualável enquanto outrora, antes da camiseta e das calças jeans, homens e mulheres vestiam-se elegantemente com trajes sociais costurados em casa ou por profissionais da costura, mostrando a diversidade de gostos que nunca se repetiam na indumentária humana. Era impossível ver alguém exibindo uma T-shirt repleta de frases em inglês ou outra língua, fazendo propaganda ambulante de grifes  famosas, tal qual mencionou Drummond ao escrever o fantástico poema Eu, etiqueta, a  que todos tinham a obrigação de ler e acatar sua mensagem, pois a partir do final do século XIX somos mesmo divulgadores de marcas que a cada momento crescem e expandem seus lucros no centros comerciais. Ora, os jovens são fácil e emocionalmente levados por esse turbilhão de propagandas e campanhas de publicidade que conduzem a uma identidade falsa, que, no entanto, traz prestígio e valorização na sociedade.

O jeans chegou com  força total no final da década de 70 no Brasil, reforçando a ascensão de países ricos que já começavam a impor uma cultura que iria se solidificar ao longo dos tempos. Dificilmente veremos algum ser vivente que não usa um blue jeans ou outra cor dessa roupa tão comum nos costumes do mundo todo.

E além disso, muitos outros hábitos foram se incorporando; atrizes famosas exibindo pele de louça através de maquiagem e cosméticos; calçados de grifes poderosas com que todos sonham e dão seu sangue para adquirir; celulares cada vez mais eficientes e inalcançáveis, medicamentos que prometem, por um preço exorbitante; alimentos mágicos capazes de verdadeiros milagres de beleza e saúde, enfim, são tantos os produtos, que precisaríamos de milhões de páginas para mencioná-los, e agora, poucos seres pensantes sabem que tudo é por dinheiro, nada mais do que isso, e ficou muito fácil convencer, uma vez que as pessoas já se tornaram pouco críticas, conduzidas e tangidas pela mídia como um gado obediente e desalmado que valoriza apenas a aparência física em seus pares, pouco se importando com a essência, o valor que realmente importa no relacionamento humano.

Causa um certo desconforto, e por que não dizer, nojo, quando se verifica que certos homens e muitas mulheres analisam o modo de se vestir, quanto a marcas e grifes, perfumes, joias, celulares, bolsas e outras coisitas mais durante encontros sociais, evitando relacionamento com aqueles ou aquelas que não seguem a corrente; a maré podre, que faz com que verdadeiras flores se murchem,   que belas pérolas percam seu brilho.