Aqueles que fizeram parte de nossa vida, nos transformam e são transformados. Como dizia Saint Exupéry:
" Aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós"
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A minha querida tia
Parece que foi ontem, mas muito tempo já passou.
Você esteve presente em quase todos os momentos da minha infância
e juventude. Sua presença em minha casa e em meu desenvolvimento foram uma
constante. Sim, falo de ti, minha querida tia e madrinha, Wanda. Lembro-me do
seu rosto sempre alegre, os grandes olhos verdes quase azuis, sorrindo mesmo
trabalhando incansavelmente. E como trabalhaste nas décadas de 50, 60! Fato de que só quando me dei por gente pude
analisar com precisão. Quantos vestidos e outras peças maravilhosas costuraste
no silêncio do seu quarto até altas horas da noite para complementar o baixo
salário do seu marido e para garantir o sustento de seus filhos.
Assim foste levando sua vida sem medo, com coragem e
determinação não agradando a todos com certeza, pois no impetuoso afã de ajudar,
acabava sendo incompreendida. Aos poucos,
foste conseguindo realizar seus sonhos. Aprendi a amá-la e respeitá-la ao longo
dos anos de convivência, lembro-me nesse instante das tardes de jogos de mesa
que compartilhamos, da sua ajuda e apoio a minha família no momento de
enfermidade. Da amizade sincera com seus dois filhos, verdadeiros irmãos,
sempre tão próximos em todos os instantes de alegria ou de tristeza.
Recordo-me também dos momentos de adversidades que sofremos,
dos desentendimentos entre nossa família e a força das circunstâncias nos
separando, privando-nos da convivência, antes rotineira. As rodas da vida
levando-nos como uma imensa cachoeira deixando distância entre nós e o silêncio
aterrador. Por que razão nos afastamos de pessoas tão próximas e especiais como
você? Não sei responder, só sei que houve uma grande lacuna em nossa amizade
tão pura e sincera agravada pela distância, sem a convivência de antes.
Depois passamos a nos falar em alguns momentos... Breves
momentos de dor e luto familiares ou em alguma visita fortuita, em algum Natal
distante...
Vieram as tristezas em sua vida senil, a morte do
companheiro e do filho mais velho levaram alguns anos de sua vida, problemas insolucionáveis com outros filhos e você ali, firme na luta de conseguir
resolvê-los como um ser superpoderoso, ferindo-se sem se importar, esquecendo-se do adiantado do tempo que
já pintara seus cabelos.
Foi um fardo muito pesado para seu corpo cansado a despeito
de tanta disposição de ânimo. Por isso quando me ligaram dizendo que estavas
gravemente enferma num quarto de hospital jamais acreditei que poderia nos
deixar e não quis acreditar quando disseram que havias partido para sempre...
Minha querida tia e madrinha: na vida há mistérios que nós,
simples e ínfimos mortais nunca poderemos decifrar, porém digo-lhe que sua alma
finalmente terá o descanso merecido, pois alcançaste a glória do soldado que
morre na batalha. Não perdeste a guerra, tenha certeza, da dimensão onde te
encontrares, a semente que plantaste há de mais cedo ou mais tarde germinar, crescendo e se tornando uma árvore sólida.