terça-feira, 18 de outubro de 2022

 Não sei sobre o que escrever hoje, só sei que já é tempo...Muitos dias já se passaram desde a última mensagem postada, porém são tantos os assuntos que me perco divagando sobre eles e não chego a decisão alguma... Há dias que um tema surge como ideal para desenvolver, no entanto os afazeres diários não permitem que me envolva naquele momento e a inspiração vai embora como o vento que passa...Fico na dúvida entre uma crônica e um texto de opinião, mas acabo decidindo que hoje não é um bom dia para brigas, decido pela primeira...






A sinceridade favorece a oportunidade?


Lá estou eu, em meus maravilhosos 21 anos, rosto alegre, corpo delgado e bem feito em um vestido branco e azul-marinho numa entrevista de emprego. Tarefa difícil era essa na década de 1973, em minha querida cidade natal de Araçatuba. Terra do gado, como era conhecida, os donos das terras, os fazendeiros proliferavam naquela região, e dificultavam a chegada de indústrias e empresas que eram vistas como um chamariz para afastar os homens do trabalho no  campo. Um calor infernal... Olhando para a rua asfaltada, dava para ver a evaporação em forma de fumaça saindo do chão! Ao menos, o vestido que usava era agradável em conformidade com a estação do verão, além de me tornar atraente. Havia realizado uma verdadeira maratona  em busca de aulas para ministrar, pois, recém diplomada em Letras, seria o ideal conseguir algo nessa área de formação. Entretanto, estava desistindo, muitas tentativas frustradas não estavam nada animadoras nas sessões de atribuição.

Noiva, a aliança fininha no dedo, quase não chamava a atenção. Perdida em pensamentos mil, ali estava eu entre vários candidatos esperando a minha vez de entrevista que por sinal, naquela época não era nada complicada, só que naquele momento, não tinha conhecimento disso. Não estava estressada, sentia a ansiedade normal da espera. A empresa que solicitava a vaga de secretária era a Nestlé, localizada próximo à rodovia Marechal Rondon, aliás acabo de pesquisar o endereço, situa-se  na própria rodovia, quilômetro 31, Jardim Nova Iorque. Lembrei-me do antigo namoradinho de infância, cujo pai era dono daquela localidade, daquele projeto imobiliário. Distraída, fui bruscamente tirada de minhas divagações com o chamado do meu nome e a informação da sala em que deveria entrar.

O rosto simpático do entrevistador me surpreendeu, esperava por alguém sisudo, de meia idade, sério e compenetrado, mas não, era jovem e bastante comunicativo. Começou por tomar informações sobre minha idade, escolaridade, por qual motivo procurava por aquela vaga de secretária e respondi a verdade, pois nunca soube mentir, era um livro aberto a qualquer leitor. Expus minhas dificuldades em encontrar colocação em minha área profissional, a minha inexperiência por não ter tido oportunidade de desenvolver um tipo de trabalho até aquele momento. Pareceu-me que estava agradando, quando ele me pediu que datilografasse  um pequeno texto  na máquina de escrever, uma vez que naquela época não havia a teconologia de um computador ou de um celular como nos dias de hoje. Apesar de tocar piano, havia feito curso há bastante tempo, não era nada hábil e o que logo foi notado pelo entrevistador. Não me deixei intimidar, disse a ele que não tinha prática, mas que teria o maior prazer em treinar incansavelmente e conseguir esse objetivo se conseguisse uma oportunidade. Quanto ao teste de conhecimento em Língua Portuguesa e redação,  me saí  muito bem e ele me disse que poderia começar a trabalhar e com  o tempo a minha habilidade em datilografia podia melhorar. Estava tão feliz com essa afirmação que não reparei que ele começou a olhar intensamente para a minha mão direita, a da aliança de noivado.

Foi quando perguntou se aquela aliança era de compromisso ou um simples anel. Respondi que sim, que era um anel de noivado e que no próximo ano trocaria de mão, pois pretendia resolver um namoro de sete anos através do casamento.

Foi como botar água na fervura, como muitos dizem em linguagem popular. Ele fitou-me como que com pena e afirmou que infelizmente, a empresa não contratava moças noivas prestes a se casar. Inconformada e até um pouco decepcionada com o meu excesso de sinceridade, (deveria ter afirmado que era um simples anel, sem compromisso algum), e também por minha ingenuidade (quantas daquelas candidatas não deveriam ter retirado alianças de noivado ou até mesmo de casamento antes da entrevista?), questionei o porquê daquela atitude empresarial, daquela discriminação, e ele, gentilmente foi dizendo que mulheres noivas se casam, têm filhos e aquela empresa encarava esse fato como um empecilho à assiduidade e comprometimento quanto à profissão. Revelei a minha opinião, argumentando que quem é profissional, realmente não deixa de cumprir sua obrigação, mas não teve jeito, com o mesmo sorriso simpático que ele me recebera, estendeu-me a mão, agradecendo minha presença, desejando-me boa-sorte e me dispensando literalmente.

Agradeci e ainda meio atônita, saí dali sem emprego e sem promessa alguma  de sucesso nesse intento. Até hoje, já realizada e aposentada em minha profissão de professora me questiono se a sinceridade e a ingenuidade valem a pena nesse mundo tão competitivo e difícil!


Gostaram da crônica ou ela não foi relevante ou agradável, deixem comentários, eles são bastante bem-vindos!