sábado, 17 de dezembro de 2022

A duras penas...

 Na idade dos três anos uma criança vive praticamente de ilusão. Segundo Piaget, a fase em que ela se encontra é a do período pré-operacional, que só termina aos sete anos...

Esse episódio faz parte de meus passeios pela memória, sinto saudades de Paulo Bonfim em seu programa do mesmo nome na Rádio Cultura...


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Foi assim que tudo aconteceu: exatamente nessa idade. Meu primeiro filho não aceitava não como resposta: se queria um brinquedo tinha que ganhá-lo. Acredito que todas as crianças nesse estágio agem assim, pois não há o desenvolvimento cerebral necessário para raciocínio e entendimento das situações conflitantes nessa faixa etária. Lembro-me bem ainda hoje apesar do avançado da idade, do que fazia quando era contrariado. Podia ser em shopping, na casa de alguém, enfim, ainda me recordo daquele cabelinho loiro e muito liso,  sacudindo quando ele tentava convencer, batendo a cabeça contra o chão. Aquilo me deixava louca, mas reunia toda a paciência que conseguia para aparentar calma, conversar com ele e aquela crise, se prolongava por minutos que pareciam uma eternidade. Só fui descobrir que ele batia contra o chão levemente quando numa dessas tentativas, sem querer, fê-lo com mais força entrando em choro sincero.  Nem sempre era possível presenteá-lo da forma como queria e o resultado era sempre o mesmo. E o tempo foi correndo, não me recordo se estava grávida de minha filha quando ele me fez um pedido para presente de Natal. Como  sempre, queria um robô caríssimo ou um carro de controle remoto, um Pegasus, que para o salário de professora e de um comprador estava além das posses econômicas. Pagando mensalmente o imóvel que adquiríramos somado a outras despesas mensais de primeira necessidade, não hesitei: quanto ao robô Percival, nem sonhar! Acabei comprando  um carro de controle remoto, contudo,  não era o Pegasus. Confesso que sentia uma sensação de remorso por não poder atendê-lo e assim, comprei também um outro presente, algo que ele nem conhecia: um balão solar! No afã de presentear nem procurei saber que esse tipo de balão traz riscos ao tráfego aéreo; hoje com mais idade, raciocinando melhor, tomei conhecimento do meu erro, apesar de o balão descer durante a noite e não agredir o meio ambiente por ser biodegradável. Acho que ainda existe; mais parece um saco de lixo na cor preta e até hoje desconheço o processo que ele desenvolve para subir tão alto. 

Depois da noite de Natal, só posso dizer que ele se decepcionou com a falta do  carro que pedira, mas, com o tal balão, ficou encantado! Não via a hora de colocá-lo no céu como afirmava em sua cândida inocência. Como morávamos próximo à represa de Guarapiranga em São Paulo, na década de 80, um local maravilhoso onde apenas a natureza imperava, lá fomos nós com o  balão já cheio de ar e lacrado. Conhecendo o filho que tínhamos, resolvemos não soltar o balão definitivamente; amarramos um tipo de linha até forte, porém não o bastante para suportar o peso que ele adquiriria ao sabor do vento e que não soubemos prever. 

Lembro-me bem da alegria dele ao ver o balão subindo, os olhinhos brilhando de tanta felicidade, aquele presente acertara na mosca, fê-lo esquecer da frustração pelo robô e o carro. Segurava, pelo menos, fazia a maior força para segurar a linha que prendia o balão a suas pequenas mãozinhas quando o inesperado aconteceu: a linha se rompeu com o peso que o objeto alcançou a uns 10 metros de altura.

Nunca me esquecerei do seu grito de dor e tristeza que ecoou pelos ares. Erguia os bracinhos para o vazio como que querendo alcançá-lo em vão, passou do desespero ao choro sentido, lágrimas rolando pelo rosto enquanto pedia pelo balão. E o objeto do encanto foi sumindo cada vez mais no infinito, até se resumir a um pontinho negro no azul do céu. De nada adiantava falar com ele, dizer que compraria outro igualzinho, ele queria aquele...

Voltou para casa cabisbaixo a soluçar, confesso que até chorei também por dentro, e por reconhecer que acertei em minha tentativa de agradar e falhei  em não manter pelo menos por um dia o objeto do sonho e da ilusão infantil.

Assim  crescemos, impulsionados pelo sofrimento que aos poucos nos aproxima da realidade e do que é a vida em seu aspecto.