sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

Reflexões sobre o Natal






 Sempre que essa data chega, não canso de falar: me pega de surpresa. Perdida em afazeres mil, sempre acordo com uma grande árvore natalina a exibir suas cores e luzes à porta de shopping centers, ou com um Papai-Noel gigante. Às vezes, saio às compras rotineiras e me deparo com produtos natalinos aos borbotões nas portas de entrada de lojas populares. Esse ano não foi diferente: não havia saído muito nesses últimos dias, porém, quando abro a porta do meu apartamento, me deparo com a grande guirlanda de flores e arranjo de porta dos vizinhos em meu piso. E nem havia pensado em Natal ainda. Jogos de futebol pela Copa do Mundo misturaram-se com a data trazendo o esquecimento temporário. Do último evento, não há o que falar, só decepção, também nessa altura do campeonato consigo perceber a conotação política que envolve o acontecimento, de modo que competições esportivas de uma maneira geral, não me passam  credibilidade alguma quanto à lisura e ética necessárias. Acredito que até a década dos 50 ou 60, foi diferente, atualmente...

Não posso falar de Natal sem citar vivências, experiências ao longo dos anos que já não são poucos. Recordo-me bastante da infância distante em Araçatuba, minha querida cidade natal na casa de meus avós maternos, a preparação de uma ceia interminável, a casa cheia, a molecada correndo de um lado para outro a incitar os puxões de orelhas, os castigos e tudo mais no sentido de reprimi-los. Família grande, apesar de a casa ser bastante espaçosa não deixava canto algum vazio, fosse na sala ou em qualquer outro cômodo, áreas e quintal. Apenas o quarto de minha avó era sagrado, nenhum neto entrava ali, para bisbilhotar ou reinar; a cama sempre impecável assim como a arrumação dos móveis e acessórios simples. Me vem à memória os preparativos que antecediam o evento; cansei de ajudar a forrar formas de empadinhas, fossem de camarão ou palmito. Os netos adoravam comer salgadinhos, mas a ceia dos adultos era farta, graças a Deus. Nessas ocasiões. a casa era invadida por um aroma delicioso do preparo de carnes a assar, arroz de forno, entre outras delícias apreciadas pelos mais velhos. Para meu avô, de descendência portuguesa, não podia faltar a rabanada que ele mesmo fazia e o doce de aletria, que não me era muito simpático pela semelhança com o macarrão espaguete. Todos à mesa, a criançada a bater com os talheres nos pratos produzindo um som insuportável, até que lhes tolhesse uma repreensão bem dada.

 Ajudar a enfeitar a grande árvore natalina de meus avós, para mim um gigante, dado a meu tamanho, me provocava uma sensação de alegria mista de medo;  era necessário subir em uma escada para este fim! Como os ornamentos eram feitos de louça fininha, forravam o chão ao redor com cobertores macios para que não houvesse o risco de quebrá-los. E depois, o mais interessante para as crianças: o presente que receberiam na madrugada da véspera. Não podíamos deixar de limpar e engraxar os sapatinhos e enchê-los de grama, para as renas do bom velhinho pastarem, era uma festa! Coisas que jamais voltarão! Verifico que hoje, os Natais são tão diferentes, poucos acreditam no mito da festa, outros o criticam por pertencer à mitologia nórdica, apenas para incentivar e aquecer o comércio. Não compartilho desse ressentimento. As crianças hoje, como é  natural,  não apresentam mais os mesmos gostos para presentes, vivem num mundo virtual com a mente povoada de ficção de outra natureza...

Da residência de minha avó paterna também tenho algumas lembranças: a refeição era outra, peru recheado que em nada me agradava, pois certa vez conseguira ver a pobre criatura aguardando o seu sacrifício enquanto lhe davam bebida alcoólica para que a carne ficasse mais macia e apetitosa... Leitão  assado à pururuca. Tenho um particular a dizer aqui, peguei verdadeiro nojo de carne de porco por conta das maneiras de uma prima, que não vou citar o nome, à mesa: ficava enrolando pedaços entre as palmas das duas mãos e depois comia. Até hoje não consegui esquecer esse fato. Os tios bebendo muito querendo saltar muros gigantes, empoderados pela bebida, os brindes intermináveis com champanhe que varavam a madrugada.

Me vem à memória o Abrigo Ismael em Araçatuba, onde uma de minhas tias maternas, a Luíza, trabalhava e morava. Tomou essa decisão desde muito nova, seguia a religião espírita e assim ali, alfabetizava os infantes nos caminhos de Deus. Assisti a algumas de suas aulas, eram fantásticas, usava figuras em flanelógrafo para ilustrar as passagens bíblicas. Certo Natal, como cantasse bem e tivesse boa memória, ela me convidou para interpretar uma música naquela noite. Sempre fui muito extrovertida e fui. Cantei Natal das crianças, mas na minha pureza infantil, me senti desconfortável ao cantar a frase: "Tocam sinos na matriz" uma vez que a religião pregada ali era outra... Coisas de criança!

Acreditei durante muito tempo em Papai-Noel, até que por volta dos 11 anos aproximadamente, fui buscar meu presente em casa, pois segundo meus genitores, o bom velhinho o deixara lá, assim como o do meu irmão. Havia pedido uma pasta decorada com a imagem de Santa Cecília, a protetora dos músicos para guardar partituras de piano, cujo estudo iniciara e apreciava muito.  Não sei porque cargas d'água, meu pai achou de colocá-lo em um vão entre duas portas abertas naquele exato momento, talvez ele se atrasara na compra e deixou-a cair, fazendo um grande barulho. Foi quando parei de acreditar naquele mito tão esperado e mágico. 

Muitas ideologias de cunho político não orientam o fortalecimento dessa crença em Papai-Noel, porém jamais conseguirão destruir sua imagem, uma vez que simboliza poesia, só bons valores e sentimentos que vêm de encontro à inocência de uma criança.  Não importa a sua origem, ou país que representa. Além de fazer parte da festa de Natal, é uma tradição de muitos anos passada de pai para filho, de mãe para filha, de avós para netos... E por aí vai. Essa festa é mais do que a fidelidade à passagem bíblica, é responsável pela agregação, comemoração da vida, união entre as pessoas, respeito mútuo, amor... E se traduz em lembranças. Não há quem não se recorde de alguém querido que nos deixou, mas que está presente em nossos corações.

 Aos mais velhos, saudades dos Natais passados, aos mais jovens construção de experiência que ficará eternamente guardada em seus corações! Nesse Natal, desejo a todo mundo, muitas felicidades e boas lembranças!