domingo, 29 de janeiro de 2023

Pérolas esquecidas







 Muitas vezes me pergunto por que razão ele não é lembrado. Aliás, grandes compositores, os mais preparados para fazer música não são nada valorizados no nosso país. Motivos? Os mais variados; não há interesse em cultuar música erudita, afinal quem a ouve refina seu corpo e espírito, além de desenvolver o processo cerebral. Em muitas fazendas bem sucedidas, o gado tem seu momento de música orquestral erudita, e ficou provado que vivem com melhor qualidade. 

Estou falando aqui de Zequinha de Abreu, cujo nome completo era José Gomes de Abreu, o pianista que se especializou na composição de chorinhos como ninguém. Não é preciso estudar música para saber o que esse ritmo nos traz, contagiante melodia popular nascida nas décadas de 1870 no Rio de Janeiro, geralmente interpretada por flautistas, violões e cavaquinhos, deu fama a vários compositores brasileiros como Ernesto Nazareth, Antonio Callado, Chiquinha Gonzaga entre outros. Ditosos tempos do final do século XIX, em que a cultura de qualidade era oferecida nas grandes e pequenas cidades, antes do início de um filme, no cinema, as pequenas orquestras apresentavam melodias eruditas.

O conhecido Tico-tico  no fubá, Sururu na cidade, Pintinhos no terreiro, são alguns chorinhos maravilhosos de Zequinha de Abreu, porém, a sua obra-prima centralizou-se na criação de valsas. Apaixonei-me por essas composições por volta do meu quarto ano de estudo de piano. Branca, uma música maravilhosa, de 1910 é um dos exemplos de melodia que entram em nosso âmago e nos fazem viajar através dos tempos, visualizar cenários de salões de festas luxuosos onde o instrumento principal era o piano. Branca, possui uma letra musical que narra a história de uma jovem que se apaixonou, entretanto, não ficou com seu amor que partiu e a deixou. 

São valsas tristes, que parecem combinar com a personalidade deste músico incomparável. Nascido em Santa Rita do Passa Quatro em 1880, iniciou sua carreira de médico, mas não a terminou porque sua vocação era a música. E fez muito bem, pois as jóias que produziu são pérolas que  apesar de esquecidas no cofre do passado presenteiam as poucas pessoas que  se prestam a abri-lo, infelizmente. Atualmente, com nossa educação no fundo do poço, nem afinação as pessoas apresentam, as composições são mais faladas num discurso pouco  musical, o que já era de se esperar num momento em que disciplinas importantes foram retiradas do currículo escolar em detrimento de outras insignificantes, que repetem a mesmice e a inutilidade. 

Sobreviveu como pianista trabalhando na Casa da música, em São Paulo, de propriedade dos irmãos Vitale. Lembro-me bem do nome dessa editora que vinha sempre gravada nas partituras musicais que eu  estudava incansavelmente. Ali, Zequinha  interpretava suas lindas melodias e era aplaudido pelo público presente. Chegou a formar em 1934, uma banda composta por 35 elementos, a Zequinha de Abreu, ainda quando residia em sua cidade natal.

Já em São Paulo, onde tocava às tardes na Casa da Música, levava sua vida mergulhado em suas composições, quase não saía de casa, os dois filhos de seu casamento já estavam criados e bem colocados. Assim, em uma bela noite de 1935, foi convidado por amigos músicos para um encontro. Na volta, ao encaminhar-se para tomar o bonde, sofreu um enfarto fulminante em frente ao Hotel Piratininga, na rua General Osório, quis reagir, não conseguiu, suas últimas palavras foram: "Ai, meu Deus".

Zequinha de Abreu, como gostaria de tê-lo conhecido...Para te dizer o quão importante você foi e continua sendo, imortalizado em suas peças melancólicas...

"Tardes silenciosas de Lindoya, onde o sol morre tristonho. Tardes em que toda a natureza, enche-se de um ar de sonho..."