sábado, 1 de novembro de 2025

Quando outubro termina...








imagem (www.freepick.com)



Começam as meditações infinitas de pessoas queridas ou não, que já abandonaram o palco da vida; saíram de cena inevitavelmente, sem chance de escolha entre ir ou ficar.

Quando novembro começa, essas recordações,  invadem meu espaço e preenchem todo meu ser de melancolia e nostalgia.

Lembro-me da avó materna, sua energia e rigor para educar as crianças, netos irrequietos  e barulhentos, mas no fundo, hoje, analiso melhor e sei que não era pessoa má como diziam.  Simples, educada com o mesmo rigor em sua infância, sem recursos, trabalhando desde tenra idade para ajudar a mãe viúva e com os filhos para criar... Lembro-me que sempre me dei bem com essa avó, recordo-me de quando a levei ao cine Pedutti  em Araçatuba, minha cidade natal, na estreia do filme Romeu e Julieta: a fila quilométrica que se estendia pelo quarteirão, e confesso que fiquei preocupada pensando se havia feito a coisa certa, mas no final, tudo acabou bem.

A avó paterna sempre me mimando e me tratando bem, oferecendo-me chocolate ou chá da Ìndia no regresso da missa quando a visitava convidando a mim e minhas amigas para irem até sua casa quando quiséssemos. Ah, quanta saudade!

As tias queridas, os avós, os primos quase irmãos que nos deixaram há um bom punhado de anos...

Amigos, colegas de classe, uma infinidade de pessoas que já, como dizia um personagem de filme: "não mais respiram o mesmo ar que nós"... 

Mas a lembrança mais marcante é sempre do meu querido pai que apesar de há quase três décadas distante, ainda é lembrado por vários momentos em minha vida. O quanto ele fez por mim, o quanto sofreu nos meus momentos de doença, o quanto se fez presente também na minha vida adulta, me orientando, amando seus netos como ninguém. 

Lembro-me do seu abraço forte por conta do Natal quando o visitava em sua casa em São Paulo, por essa época residia em Rio Claro, distante uns 200 quilômetros da capital. Já doente, não demonstrava tristeza e contrariedade, ao contrário, procurava sempre ter um sorriso no rosto e orava muito para poder suportar o peso de sua cruz.

Ele  me ensinou a respeitar o dia dos mortos, me fazendo presente desde pequena, rezando e pedindo pelas almas no Cruzeiro, no pequeno cemitério da cidade na década de 60, onde morávamos. As músicas eruditas enchiam nosso dia por essa ocasião.

Por tudo  isso, é que amanhã estarei presente no pequeno cemitério de Arujá,  levando-lhe flores, velas e a pequena Bíblia para ler salmos e provérbios de  que tanto gostava...

Ainda ressoa na minha mente a pergunta que minha filha fez:  " Para que ir ao cemitério, não há mais nada lá". Realmente, mas o meu dever de visitar os mortos nesse dia foi o que aprendi e não quero desaprender. Existe esse termo, ou criei um neologismo? Verifiquei que a palavra existe no dicionário.

Contudo, acredito plenamente que não fiz tudo que podia por ele, deveria ter feito muito mais... A pior coisa de que me lembro é  o comportamento adolescente que sentia vergonha quando ele aparecia e eu estava com amigos ou namorados...

Ai se arrependimento matasse! Creio que seja o mal da aborrescência, essa fase da vida tão maravilhosa e tão idiota nas atitudes.

De nada adianta arrependimento, o que está feito, está feito, (já usei essa frase em um texto, não me lembro qual).

O comparecimento, a visita que faço ao cemitério anualmente em Finados, não me redime, mas busca me conectar com sua presença espiritual e amiga que me acompanhará para sempre na minha jornada nessa terra...

terça-feira, 26 de agosto de 2025

 Depois de um longo e tenebroso tempo sem escrever uma linha sequer, volto aqui a esse espaço para registrar fatos do cotidiano. A desmotivação vem da pouca liberdade de expressão que cerceia o desenvolvimento natural dos temas que a verdadeira arte exige, mas vamos lá...





As rolinhas da avenida Nove de Julho


Observar com detalhes é o principal motor de um amante de escrever. Durante meu trajeto no ônibus urbano, verifico e conjeturo as mudanças que ocorrem na grande cidade de São Paulo.

Ao balanço do veículo lotado, certifico-me com tristeza da eliminação de algum grafite agradavelmente bonito que deixou de colorir e embelezar grandes paredes. Ao lado da passarela da rua das Noivas, uma imensa imagem  de mulher criado por Melim, na parede lateral de um edifício verde claro e desbotado, foi substituída pelo branco inexpressivo. Fico imaginando o que virá em seu lugar...

Com insatisfação, constato as pichações ao longo do viaduto Papa João Paulo II, o antigo Anhangabaú, bem como, o aumento significante de pessoas habitando o local, sujo, barulhento e impróprio.

Já na Avenida Nove de Julho, causa repulsa a imagem do Ministério da Saúde exibindo sua decadente imagem, todo invadido por movimentos sociais constantes,  problema que se apresenta insolúvel.

Afinal,  chego a meu destino. E as vejo sempre ali, no mesmo lugar, durante meses a fio em que  faço esse trajeto:  sempre imóveis, pregadas nos galhos da mesma árvore, gêmeas univitelinas perfeitas, da mesmíssima cor, tamanho e aparência.

Ali, no meio do trânsito infernal do dia a dia, indiferentes ao barulho e a poluição, faça frio ou calor, tempo seco ou chuvoso, lá estão elas na sua rotina estafante e idêntica para os olhos de quem as observa. De vez em quando, uma revoada desce à cata de sementinhas no canteiro de terra ou de bichinhos que esvoaçam em seu passeio mortal. Não demora muito e retornam ao mesmo lugar no tronco, inabaláveis, estáticas e indiferentes à movimentação a seu redor. 

Felizes com sua mesmice, aqueles pássaros  não viajam, não se aventuram, não trocam o certo pelo duvidoso, são uma lição de vida para nós, humanos, que fugimos das ações habituais diárias, sonhando com férias em locais paradisíacos, distantes... 

É admirável a paciência e perseverança com que cumprem sua missão, sem esperar grandes mudanças em sua já conhecida rotina.

Hoje está mais frio do que de costume, o inverno agride com mais rigor este ano, o vento gelado corta a avenida, entretanto, mais firmes do que nunca, lá estão, inchadas e gordas de penas,  uma possível tática para enfrentar a natureza e suas contradições, grudadas aos galhos da mesma árvore,  talvez uma jaqueira em crescimento. Não piam, não emitem som algum, nenhum choro ou ruído. Aguardam a noite chegar e,  me pergunto se adormecem ali mesmo ou mudam para árvore próxima, mais encopada e cheia de folhas. 

Por um momento relembro trecho da frase bíblica de Olhai os lírios do campo: ..."Olhai as aves do céu que não plantam e nem semeiam, mas Deus as alimenta e as veste..." e do magnífico romance do mesmo nome do autor Érico Veríssimo:" Só foge da solidão quem tem medo dos próprios pensamentos, das próprias lembranças..."

Duas pérolas verdadeiras. Tanto nos preocupamos com o dia de amanhã e, no entanto, essas avezinhas nada fazem e têm o sustento diário garantido; do mesmo modo, nós, humanos, morremos de medo da solidão, principalmente nas últimas quadras de nossa existência, provavelmente por puro medo de que as recordações acabem com a paz de espírito e atormentem nossos últimos momentos...

Porém, essas rolinhas da Avenida Nove de Julho no seu modo solitário e rotineiro nos ensinam como viver bem...

 





domingo, 19 de janeiro de 2025

 Tudo por dinheiro







pixabay.com






É uma frase célebre, que representa fielmente o mundo em que hoje vivemos. Não querendo puxar sardinha para a lata dos que hoje são cidadãos e cidadãs mais vividos, para não dizer mais velhos, a corrida pelo dinheiro ocupa lugar principal na cabeça dos seres humanos atualmente.

Não foi à toa, que todos os tipos de mídia e meios de comunicação vieram construindo nomes, marcas que foram adquirindo força no mercado e prestígio inigualável enquanto outrora, antes da camiseta e das calças jeans, homens e mulheres vestiam-se elegantemente com trajes sociais costurados em casa ou por profissionais da costura, mostrando a diversidade de gostos que nunca se repetiam na indumentária humana. Era impossível ver alguém exibindo uma T-shirt repleta de frases em inglês ou outra língua, fazendo propaganda ambulante de grifes  famosas, tal qual mencionou Drummond ao escrever o fantástico poema Eu, etiqueta, a  que todos tinham a obrigação de ler e acatar sua mensagem, pois a partir do final do século XIX somos mesmo divulgadores de marcas que a cada momento crescem e expandem seus lucros no centros comerciais. Ora, os jovens são fácil e emocionalmente levados por esse turbilhão de propagandas e campanhas de publicidade que conduzem a uma identidade falsa, que, no entanto, traz prestígio e valorização na sociedade.

O jeans chegou com  força total no final da década de 70 no Brasil, reforçando a ascensão de países ricos que já começavam a impor uma cultura que iria se solidificar ao longo dos tempos. Dificilmente veremos algum ser vivente que não usa um blue jeans ou outra cor dessa roupa tão comum nos costumes do mundo todo.

E além disso, muitos outros hábitos foram se incorporando; atrizes famosas exibindo pele de louça através de maquiagem e cosméticos; calçados de grifes poderosas com que todos sonham e dão seu sangue para adquirir; celulares cada vez mais eficientes e inalcançáveis, medicamentos que prometem, por um preço exorbitante; alimentos mágicos capazes de verdadeiros milagres de beleza e saúde, enfim, são tantos os produtos, que precisaríamos de milhões de páginas para mencioná-los, e agora, poucos seres pensantes sabem que tudo é por dinheiro, nada mais do que isso, e ficou muito fácil convencer, uma vez que as pessoas já se tornaram pouco críticas, conduzidas e tangidas pela mídia como um gado obediente e desalmado que valoriza apenas a aparência física em seus pares, pouco se importando com a essência, o valor que realmente importa no relacionamento humano.

Causa um certo desconforto, e por que não dizer, nojo, quando se verifica que certos homens e muitas mulheres analisam o modo de se vestir, quanto a marcas e grifes, perfumes, joias, celulares, bolsas e outras coisitas mais durante encontros sociais, evitando relacionamento com aqueles ou aquelas que não seguem a corrente; a maré podre, que faz com que verdadeiras flores se murchem,   que belas pérolas percam seu brilho.