Entre outras efemérides, o dia 20 de fevereiro é
dedicado aos animais de estimação... Assim...
Quando olho a velha
cadeira de madeira da varanda, parece que vejo a sua meiga imagem.
Lembro que te salvei
da morte com apenas três meses de vida. Tua primeira dona não te queria e te
colocou portão afora usando uma vassoura. Recordo do teu olhar assustado, seu
pelo amarelinho claro e grandes olhos azuis.
Foi paixão a primeira
vista, percebi o perigo iminente que corrias enquanto assustado e
desorientado ganhavas a rua.
Por sorte, estávamos a
pintar a nossa casa em Rio Claro, ajeitando daqui e dali, fazendo reparos na
tentativa de melhorar a aparência daquele pequeno sobrado onde morávamos para
colocá-lo à venda, antes de retornar à São Paulo definitivamente desta vez.
Pude vislumbrar a cena que me deixou indignada e ao mesmo tempo preocupada,
temendo que o pior acontecesse se ganhasses a avenida ao lado, onde os carros
desenvolviam grande velocidade. Eram três gatinhos, seus irmãos; um deles de
imediato foi atropelado na citada avenida perdendo a vida de uma maneira
brutal; o outro, não consegui ver para onde foi, mas você, como se fosse
mandado pelos anjos do céu, perpassou a grade em frente a casa onde estava e te
pus a salvo, dei-lhe água e alimento.
Terminando o trabalho
da casa, preparei-me para deixá-la, no entanto, não tive coragem de
abandonar-te ali, à mercê da própria sorte... Um filhote bebê de apenas três
meses. Deixei de pegar o ônibus de volta, peguei carona com um ex-vizinho
caminhoneiro que passaria pelo bairro do Butantã levando-te comigo em uma
caixinha improvisada e bem fechada. Corri o risco de ser despejada do ônibus
até o Centro de São Paulo onde morava. E lá estava você, sempre comigo. Te vi
crescer, ganhar a idade adulta. Enfrentamos mudanças de apartamento, para um
sítio em Igaratá, uma casa térrea em São Bernardo e finalmente para o nosso
apartamento definitivo que foi a sua última morada.Curioso é que você seria um
presente para minha filha, porém, ao se casar, ela não teve coragem de
separá-lo de mim, dado ao apego entre nós dois.
Muitas passagens
felizes, um relacionamento quase espiritual; você passou a entender
uma infinidade de palavras do meu vocabulário e respondia no seu idioma felino
todas as vezes que te chamava ao meu lado. Seu local preferido era a cadeira na
sacada do apartamento, ali ficavas já na idade mais adulta entre a sombra das
plantas, a tomar o sol da manhã, aproveitando aqueles raios benditos.
O primeiro
susto...Você se mostrou doente, os olhinhos irritados e sempre a lacrimejar,
perdeu o ânimo, a vontade de brincar com as bolinhas de papel-alumínio de que
tanto gostavas, ainda respondendo de forma triste os meus apelos...
No veterinário, após
exames, soube que estava com problemas respiratórios, mas graças a Deus
descoberto em tempo, o que me deixou ainda mais apegada a ti. Já sem a
companhia dos filhos, todos casados, cada qual seguindo a sua estrada, lá
estava eu, apenas com o marido e Nini, meu amado e inseparável gatinho.
Ficaste bom, a alegria
voltou ao meu lar. Compartilhamos excelentes momentos juntos, até que um dia
após anos daquele triste incidente, observei que já não apresentava mais a
disposição de antes. Julguei ser culpa da idade, 14 anos, não eram poucos para
a vida de um felino...
Entretanto, conforme
os dias passavam ligeiros, sua condição foi piorando, lamentavelmente. Correndo
novamente ao veterinário, após baterias de exames, confirmou-se:
comprometimento dos rins em franco desenvolvimento.
Para meu sofrimento,
acompanhei sua agonia de tratamento, soro, injeções intermináveis, coisas que
te deixavam totalmente agressivo, para minha surpresa, um animal cuja
docilidade era impressionante. Regressando a casa, demonstrando uma ligeira
melhora, fui incansavelmente administrando todos os medicamentos que lhe foram
prescritos.
Veio a piora, agora, não mais sustentava sua linda e imponente cabeça, sempre cabisbaixo e mudo...Deixou de comer para o meu desespero.
Muitos amigos me
aconselhavam a levá-lo para a Eutanásia. Não tive coragem de ser a carrasca que
extermina a vítima indefesa. Jurei que suportaria até o último instante, até o
último suspiro que darias, sem desistir de te acompanhar e lhe dar ajuda.
E foi o que ocorreu
após uma semana. Fostes tranquilo, numa noite estrelada e fria entre minhas
lágrimas de tristeza e dor.
Nunca mais te
esquecerei, e ainda hoje, fitando a cadeira vazia de que tanto gostavas,
penso numa nova versão da música folclórica americana Old Shep:
"Se os gatos têm
um céu, só uma coisa eu sei: Nini, você tem uma morada maravilhosa"...
* A música Old Shep é
uma canção americana do campo, imortalizada na voz de Elvis Presley, que conta
a história de um cão que o próprio dono teve que exterminar, porque estava
muito doente.
E no final ela diz:
"If dogs have a heaven, just one thing I know, Old Shep, has a wonderful
home" ( Se cachorros têm um céu, só sei de uma coisa: Old Shep, você tem
uma morada maravillhosa).
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