Os dias passam rápido, as
noites os acompanham e eis que temos mais um ano que finda...
Mais um finados se aproxima,
trazendo-nos muitas lembranças daqueles que já se foram e, que um dia, já
fizeram parte da nossa vida. Façamos a eles a devida homenagem.
Por
quem as velas se acendem...
Posso dizer agora que me
acostumei com a tua ausência nestes longos dezesseis anos que voaram céleres e
contribuíram para que deixasse de sofrer pela sua perda.
Hoje, a consciência da falta
que fazes, só não admite que haja um substituto para tudo aquilo que foste e
representaste em minha vida... As reminiscências povoam minha mente e, por
alguns segundos, aproximam-se tão firmemente da realidade como se viajasse numa
máquina, quebrando a barreira do tempo e do espaço físico.
Nessa imersão forte no
passado, revivo aquele dia de finados no calor insuportável de nossa cidade
natal e os preparativos para a ida ao campo santo. Nunca deixaste que
faltássemos a esse compromisso de louvar aqueles que nos foram caros.
Todo um preparativo
antecedia essa data, vestíamos nossa melhor roupa, nos arrumávamos
caprichosamente, não antes, de ouvir durante toda a manhã, a programação de
músicas eruditas lentas e tristes que nos enchiam de melancolia e que preparava
nosso espírito, toldando-o de respeito e sobriedade. Enquanto caminhávamos sob
o sol escaldante, passava-nos grandes lições de solidariedade e vida dizendo o
quanto os mortos deveriam ser venerados e lembrados, por tudo que significaram
em nossa existência, por tudo que construíram, ressaltando a necessidade de
oração e da tradicional queima de velas que mereciam.
Não, não deixaste que a
euforia infantil esquecesse e menosprezasse os que se foram, houve o despertar
de toda uma consciência nesse sentido.
Na entrada do cemitério, me
lembro como se fosse hoje, fazia questão de primeiramente fazer uma oração ao
Doutor Jaime de Oliveira que era o seu guia espiritual. A compenetração e
seriedade com que fazias isso, nos deixava comovidos e quietos acompanhando todo
aquele ritual.
Muitas vezes, ao nos
dispersarmos com outras crianças entre primos e amigos, por um instante,
voltávamos ao nosso comportamento infantil, correndo até o cruzeiro e a
capelinha dos ossos, de onde sempre alguém ouvia um barulho ou sussurro vindo
do além, o que causava debandada geral em gritos e fuga como passarinhos em
revoada...
Quantas saudades, dessa
época. Já naqueles dias longínquos da infância que agora ecoam em minha mente,
o comércio em frente à necrópole municipal era grande e até hoje, ao lembrar,
causam-me repulsa e um fundo de nojo: melancias aos borbotões, abertas, exibiam
seu escarlate sobre as bancas, convidando à degustação, flores numa festa de
cor esbanjavam beleza e viço como forma de compensar todo aquele luto e
tristeza. Não tínhamos muitos mortos naquela época: um ou outro primo distante
e amigos pouco conhecidos da nossa pequena família. Mas não importava, todos
mereciam uma reflexão, e ela vinha em forma de oração...
Hoje, tudo mudou. Crianças
muito pouco acompanham seus pais nesse dia de finados. Cemitérios são
desrespeitados, violados e roubados em uma amostra da degradação humana que
atinge o seu ponto mais vil e rebaixante. Muitas pessoas visitam os túmulos,
impacientes e apressadas numa obrigação pouco prazerosa e muito forçada. Não
ouvimos mais nos rádios e meios de comunicação de massa uma programação como a
daqueles tempos, dedicada exclusivamente aos mortos.
Querido pai, de onde quer que estiveres, creio que devas estar decepcionado com o rumo que as coisas tomaram
ultimamente. Entretanto, creia: a semente que lançaste, germinou. Saibas que o
respeito e a consideração por todos aqueles que se foram e que tão bem me
ensinastes a cultivar, vingou.
E hoje, estranhamente, venho
aos pés de sua lápide, humilde e sóbria depositar o meu amor em forma de flores
singelas. Nesse momento, sinto que as grandes árvores que balançam suas ramagens com a brisa parecem
sentir o meu pesar. A melodia grave que mentalizo é a mais completa prece que precede minhas palavras. As velas que acendo e que teimam em se apagar com o vento
que varre os espaços entre as tumbas, acabam por vencer e permanecem em lume, unidas
e fortes no propósito de homenagear aquele, que no meu coração é o mais ilustre
faltante, cujo corpo descansa em paz na quieta e pequena necrópole.
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